“Culto
de libertação”, “levitas”, “cura interior”, “ato profético”, “adoração
profética”, “mover de Deus”, “mover do Espírito”. O dialeto evangélico
tem sido bombardeado por muitas palavras e expressões que, de tão
batidas, tornam-se vazias. Novas palavras e expressões são inseridas a
cada novo “mover de Deus”. E que Deus novidadeiro temos nesses últimos
dias! A cada novo mover, novo jargão. Vemos um desfile de novas
expressões tais como: “Eu tô na visão”, “é tremendo!”, “tá amarrado!”,
“tá ligado!”. Não sabemos qual será a próxima onda, ou vento, mas temos
certeza que, em breve, surgirão mais algumas frases feitas e palavras de
ordem que mais parecem campanhas publicitárias.
Das
palavras que compõem o jargão evangélico uma que me chama especial
atenção é a “unção”. “O apóstolo Beltrano prega com unção”, “o levita
Cicrano louva com muita unção”, “Eu senti a unção de Deus naquele CD”.
Unção é a palavra chave para todo aquele que deseja “ministrar” para o
povo de Deus. Mas, palavra é que nem gente, quando se vulgariza torna-se
dissoluta, perde sua alma, se entregar a qualquer um, se prostitui e
perde sua essência. E a pobre unção tem perdido seu viço de outrora e se
tornado uma amarga caricatura daquilo que já foi e já significou um
dia.
Refletindo os inúmeros casos de unção que temos podemos dizer que hoje unção é:
Passar
credibilidade – Não é necessário viver, mas é fundamental aparentar
viver. É ser ator suficiente para, mesmo que esteja fora dos propósitos
de Deus, continuar ministrando com “unção”. Os tropeços públicos
daqueles que pregaram durante meses em pecado sem que ninguém notasse a
sua perda de “unção” é evidência disso. Outro ponto interessante é que
esta tal credibilidade tem muito a ver com a conduta sexual, faz parte
da cultura evangélica brasileira;
Imagem
pessoal – Aí está incluso o traje, preferencialmente ternos, mesmo em
calor de quarenta graus. O vocabulário, a beleza estética, uma barba ou
um bigode que lhe dê um ar mais austero ou remeta-nos ao imaginário dos
profetas do Antigo Testamento. Pode ser também roupas de grife que
demonstrem o quanto se é próspero, caso este seja o mote do ministério.
Um título pomposo, como bispo, doutor ou apóstolo, conta também. Tudo
isto ajuda a compor, mas é fundamental a entonação da fala, a postura e
expressão corporal e a convicção que se passa, mesmo que não se tenha. O
importante é impressionar o auditório;
Discurso
– Importantíssimo. Deve-se saber o que o público quer ouvir e escolher
uma linha de raciocínio que prenda o ouvinte, de preferência terminando
com uma palavra que traga a expectativa da benção ou que aflore a
capacidade de indução psicológica para que “milagres” ocorram. Um
testemunho de alguém que recebeu a “benção” tem o maravilhoso efeito de
provocar a comoção necessária para que pipoquem “maravilhas” no meio do
auditório. Outro ponto importante no discurso é colocar-se, da maneira
mais sutil possível, como alguém intocável, a frase “não toqueis no meu
ungido” deve ser introjectada sorrateiramente no coração do povo. Esta
estratégia, além de facilitar a manipulação das pessoas, é como uma
apólice de seguro caso um escândalo envolva o ministério;
Novidade
– Jesus quando foi pregar em Nazaré, sua terra natal, não fez muitos
milagres por causa da incredulidade deles, pois não conseguiam entender
que aquele "filho do carpinteiro", conhecido de todos era agora o
Messias, por isso Jesus afirmou que não há profeta sem honra a não ser
em sua própria terra. Do mesmo modo, estar sempre na mesma comunidade
pode quebrar a aura de "homem santo" do pregador. Na igreja local é
necessário se desdobrar em campanhas, cultos especiais, e,
principalmente, trazer mais pessoas que não estejam acostumadas ao seu
estilo, mesmo que isto signifique altíssima rotatividade de membros. Por
outro lado, pregar em outras comunidades potencializa a “unção”, é o
inverso do “efeito Nazaré”;
Reputação
– Este é o alvo. A reputação que antecede alguém é o ponto chave para
que sua mensagem seja recebida com a expectativa positiva que vai fazer
com que mais pessoas sejam impactadas com sua “unção”. É como andar de
bicicleta, no começo há que se fazer algum esforço, mas depois que ela
apruma fica bem mais fácil. Cria-se o ciclo virtuoso, ou vicioso, a
depender da intenção, em que a reputação facilita a ocorrência de
“maravilhas” e estas aumentam a reputação;
Não
estou falando que estas coisas sejam más em si mesmas, todo bom
ministro do evangelho deve cuidar da sua credibilidade, da sua imagem,
ter um discurso que mova corações e mentes, deve procurar não cair no
marasmo e zelar pela sua reputação. O que incomoda é confundir estas
coisas com algo que é muito maior. É fazer da preocupação exagerada com
um ou vários destes itens o foco do seu ministério, inclusive com
divulgação maciça de tais e tais méritos e maravilhas e milagres criando
ídolos que vão ofuscando a Palavra. A verdadeira unção é muito, muito
mais do que isto.
Infelizmente
neste grande circo que é o mundo, nós também estamos estendendo lonas
atrás de espetáculos. Queremos o sensacional, o fora do comum, o
extraordinário, a catarse coletiva, as grandes concentrações populares.
A
verdadeira unção de Deus não está nas histórias de cura, de
prosperidade, de vitórias. Mas nas histórias de vida. Alegres e tristes,
boas e más, grandes e pequenas. Com toda a grandeza, ambigüidades e
contradições da vida. Esquecemos que a grande vitória da vida cristã não
está em vencer as adversidades, mas em passar por elas guardando a fé.
José venceu a adversidade, Abel foi morto pela adversidade. Mas cada um
deles, aos olhos de Deus, é mais que vencedor. Esta é a verdadeira
unção.
Somos parte de uma geração que pensa ser rica, mas é pobre, cega, nua e não se percebe.
Pr. Denilson Torres
O Evangelho Sem Máscaras
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